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Vidas Secas, filme e livro para

Vidas Secas - 1963 - Nelson Pereira dos Santos - Trailer


Vidas Secas e o ápice do cinema brasileiro


Publicado em 26 de julho de 2016 por Daniel Hetzel.


Vidas Secas, filme do consagrado diretor brasileiro Nélson Pereira dos Santos, realizado no ano de 1963, é uma adaptação fiel do clássico livro homônimo de Graciliano Ramos. A obra é, junto com Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, um dos maiores símbolos do início do movimento cinematográfico do Cinema Novo e, até os dias de hoje, serve como referência e influência para a maioria dos grandes diretores brasileiros contemporâneos.

O filme narra a vida de uma família de retirantes em busca de sobrevivência pelo impiedoso sertão nordestino. Desde o começo, percebemos a estética diferenciada utilizada pelo diretor, com uma fotografia em preto e branco marcada pelo excesso de luminosidade, criando uma atmosfera quase “infernal” da caatinga.

A intenção clara é de mostrar uma face quase documental da vida sofrida e desumana dos retirantes nordestinos, sem eufemismos. Não há preocupação em explorar o lado “belo” da miséria, como muitos o fizeram posteriormente, a fim de tornar a obra mais acessível às massas. A opção genuína do filme é exatamente essa: ser uma experiência cinematográfica difícil, monótona, massacrante, mimetizando a vida dessas pessoas.

A primeira metade do filme foca mais no ambiente hostil que cerca os personagens. O silêncio impera na maior parte do tempo, sendo quebrado em momentos pontuais, servindo para reforçar ainda mais a notável incomunicabilidade entre os personagens. Uma cena deixa isso bem evidente, quando a família se aconchega ao redor de uma fogueira, nos primeiros minutos do filme, e iniciam um diálogo.

Nota-se rapidamente que não existe, de fato, diálogo, mas monólogos paralelos de Fabiano e Sinhá Vitória. O ritmo lento, quase arrastado, do filme também é proposital, mostrando como a noção de tempo é percebida por essa parcela da população brasileira. Parece não existir fim para quem passa fome, sente sede, é castigado pelo sol dia após dia e ainda perde todo seu salário do mês com jogatina e bebida, como acontece com a família que acompanhamos no filme.

Na segunda metade, ou melhor, os 30 minutos finais do filme, Nelson P. dos Santos decide focar mais no aspecto psicológico dos personagens. Após Fabiano ter perdido todo o sustento de sua família no jogo e parar na prisão, o chão desmorona por completo e o fio de esperança e sanidade mental preservados, até então, precariamente, parece se esvair rapidamente. Sinhá Vitória é a mais abalada psicologicamente, terminando por dizer, quando está na cozinha, na frente do fogo escaldante: “Queria morrer pra acabar com tudo isso”.

Um dos meninos, o mais apegado à cachorra Baleia, repete interminavelmente para si mesmo: “Inferno, Inferno, Inferno…”, questionando se o local onde vivem não seria o próprio inferno. Já Fabiano decide por culpabilizar a própria natureza pela sua sina trágica: culpa o sol escaldante por secar a água, que mata o gado de sede; culpa as aves, que bebem a pouca água existente das poças; inclusive Baleia, fiel cachorra e companheira, que antes era aplaudida alegremente por caçar preás para alimentar a família, é considerada um estorvo no fim do filme, pois está fraca e doente após o castigo do sol, sendo assim executada.

É importante frisar algumas cenas especiais do filme. A primeira, que mostra os personagens contemplando o voo das aves no sertão: apesar de sua estética difícil, sem falso glamour, é sempre possível enxergar o belo, mesmo que estejamos no inferno. A cena é antológica: um voo sincronizado, que mais parece um baile, significando a ordem no mais puro caos. Apesar de fascinado, pouco depois o encanto se quebra: Fabiano parte para a ofensiva, tentando atirar nas mesmas aves que contemplava, pois as culpa, como foi dito anteriormente, pela morte do gado.

A segunda cena, não por acaso a mais conhecida do filme, é também a mais bela: a morte de Baleia. A cachorra é a personagem mais humana da obra de Graciliano Ramos, e sua transposição para as telas não poderia ter sido mais perfeita. A “interpretação” de Baleia foi tão aclamada pelo público mundo afora que, na ocasião do Festival de Cannes, quando o filme foi indicado à Palma de Ouro, a cachorra também acompanhou o elenco à premiação francesa, mobilizando a todos do mundo do cinema. Houve, inclusive, protestos de certos órgãos de proteção aos animais, convencidos que Baleia tinha sido verdadeiramente morta durante as gravações.


Nos seus momentos finais, Baleia, já agonizando, tem início o mais sublime dos delírios: sonha com um sertão repleto de preás, para receber o doce afago de seus donos. Impossível não se comover com a cena, uma das mais emocionantes da história do cinema (na minha opinião). No ano de 2002, foi feito um curta-metragem, “Como se Morre no Cinema”, que narra a história do papagaio que participou das filmagens, e da cachorra Baleia, mostrando bastidores do filme e depoimentos de cineastas.

Para finalizar, a terceira cena que considero antológica: Após decidirem tomar um novo rumo e buscar uma nova moradia, num local menos inóspito, a família caminha no meio do mato, no meio do nada, como no início do filme, sem um horizonte. Sinhá Vitória, tentando tirar Fabiano do mais profundo estupor, faz os questionamentos mais importantes do filme: “Como num havemo de ser gente um dia? Gente que dorme em cama de couro. Por que havemo de ser sempre desgraçado? Fugindo no mato que nem bicho. Podemo viver como sempre, fugindo que nem bicho?”

A seguir, Fabiano, num momento raro de clareza, confirma: não podem mais viver como bichos! Assim, seguem seu rumo, simplesmente seguindo adiante, até o desfecho do filme. Abre-se um plano amplo; não mais temos a vegetação encobrindo (ou seria engolindo?) os personagens, aparentemente conseguindo se libertar de suas amarras e tendo como destino a cidade. Mas da sensação de libertação repentina, vem a sensação de impotência: a medida que avançam, vão diminuindo de tamanho, até sumir naquela imensidão ensolarada (será uma previsão dos futuros acontecimentos da vida urbana?). Final de múltiplas interpretações mas, inegavelmente, poético.

“Vidas Secas” foi o único filme brasileiro a ser indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca.


Premiações
  • Prêmio do OCIC e prêmio dos Cinemas de Arte em Cannes, 1964.

  • Melhor Filme na Resenha de Cinema de Gênova, 1965.



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